26 fevereiro 2014

Nirvana




Há o contato
A única verdade
Na pluridade de interpretações possíveis

Há o desejo
Moldado pela experiência
E pelo anseio

Há a ignorância
A incapacidade de sentir
A totalidade dos possíveis fatos

Infeliz quem nega o contato
Subverte a experiência
Nega a verdade
E morre
Pois
Sabe tudo

Eu anseio
A paz
Não o fim do Samsara
Mas um melhor passeio



O cara da favela pedindo pena de morte
Meu Deus! Que sorte!
Viver no Brasil
Justiça e educação por aqui não dão Ibope
Lá vem o Bope!
Ou a Civil!
Mais um pobre preto analfabeto foi encarcerado
E teve sorte!
O cara da favela pedindo pena de morte!
Não foi notícia
E ninguém viu

23 fevereiro 2014

Mudança de plano?


Um jovem marxista
Entrava apertado
no ônibus
Cotidiano
E ano após ano
Cada vez mais cedo
Descobriu-se
Em segredo
Um malthusiano

16 fevereiro 2014

Sou feito



Eu sou feito da poeira molhada que se junta num canto de escada da igreja no Paço.
Sou feito de olhar e sonho de moça bonita de vestido curto em dia que venta passeando no Largo 
Sou a risada solta da criança na estréia em vôo solo no escorrega da praça
Sou o vento e aurora cantando na cara do ciclista na Orla
Sou o samba na Pedra o surf na Pedra a vista da Pedra o Pão o salto
Sou feito das incongruentes alegrias dominicais em volta do fogo e carne mesmo onde somos reféns do medo
Sou feito do ritmo do isopor raspado e do lamento alegre da cuíca, baticum, couro de gato 
Deve ser por isso que a estrela me sorri o ano inteiro 
Parte desta mesma estrela é Rio de Janeiro

12 fevereiro 2014

Poeta criança filósofo



O filósofo finge ser poeta
O poeta finge ser criança
A criança finge qualquer coisa
E sai voando

O filósofo finge ser criança
O poeta finge ser filósofo

A criança fabrica sonhos
Enquanto chatos contemplam os céus
Lotados de papagaios
Com olhos marejados
pés e alma
enfiados
no concreto

09 fevereiro 2014

Mais valia



Mais valia 
um poema
Na cabeça 
Que dinheiro 
Nas mãos 
Mais valia
Um poema 
Nas mãos 
Que a alma
Vazia
Mais valia
Um poema
Na cabeça 
Que a corda
No pescoço

Essa vida
Tá osso
Te arrancam
A pele
Pela mais valia
Quanto vale
A poesia?
Vida não vale
O que valia 
Uma junta
comercial 
Te avalia 
E o poema
Não te prende
Se ele abre
Portas 
Não importa
Só importa 
Se ele vende

Um dia
Mãos levadas 
Dos de alma lavada
Nos livrarão
Da mais valia

E pela pena
Levada
Dos de alma 
Lavada
Levados
Livros 
Serão livrados
Pelas mãos 
Da poesia

um dia, pelas mãos 
da poesia,
seremos levados
sem mais-
valia.

(Parceria entre Henrique Santos e Su Noguchi)

05 fevereiro 2014

O urubu em seu idílio



Gaiolas
Dão felicidade
A donos de gaiolas

Sou pássaro mudo
Certo de que os que cantam
Não enxergaram as grades
Ou temem o vôo

A ilusão do vôo
pular de poleiro em poleiro
No viveiro limitado de escolhas pré-determinadas

Não há espaço para abrir as asas
Na prisão do medo

A menor prisão do mundo é o medo
Engenheiros do medo
Professores do medo
Músicos e poetas do medo
Cantam melodias
Escrevem manuais do medo
Erguem universidades
Fazem mapas de suas gaiolas
Lindos quadros
Até mesmo dançam

Merda!
Todos tem asas
E há poucos gaviões entre nós
Quero voar alto
Não há karma na carniça que me alimenta
Tomai e comei vosso alpiste
Que minha fome é de justiça
E dada a vós por minha palavra

Aos senhores das gaiolas
Minha malandragem, minha greve,
Meu mal feito contraversivo
Meu verso subversivo
Meu fértil amor com contraceptivos
Minha moda em ser feio
Meu deboche-desdém-raio-molotov-discurso
Tomada de praça
Leitura
Livro
Livro
Livro
Debate
Reeducação
Sacrifício
Poesia

E silêncio!

02 fevereiro 2014

Blaseé


Blaseé


Não busco a verdade sem sentido
Busco dar sentido a verdade que sinto
Sem querer fiéis alunos ou soldados
Pois sequer sou mestre do que é em mim
O querer de meu coração

Não subirei a montanha mais alta
A procura de ascetas ou de Zaratustra
Não me tornarei nunca um super-homem
Ou descerei com tábuas vomitando regras
Para querer ser Avatar de qualquer nação

Não me abalam as conspirações ou (des)governos
Não procuro a fórmula da Coca Cola
Ou o nome secreto de Deus nos átomos
A cura do câncer ou da calvície
Não me tornarão Barão ou mesmo herói

Não quero ser presidente ou herói de nada
Não legislo profetizo proíbo ou recomendo
O guardanapo manchado de gordura deste poema
Não guarda segredos ocultos da pedra filosofal
E não foi inspirado por anjos, caídos ou não.

O poema no guardanapo tem função e objetivo
Que não a de bálsamo ou de salva-vidas
Não é salmo ou filosofia ou canção
Nada tem a ver com minha insônia ou dor de dente
Ou com minhas esperanças e desilusões

Ainda que eu tenha subido ao palco
Que tenha rasgado o peito e mostrado as veias
E tenha gritado verdades que descobri anteontem
Conversei com poucos irmãos e abraçados choramos
A morte do inconformismo, o medo do medo da morte

"Não sou eu quem vai mudar o mundo"
É o novo mandamento universal, novo grilhão
É o fim de tudo, o buraco negro do inconsciente coletivo
E o mundo não muda mesmo e continua
Acreditando em lindas superstições estéreis

Adiarei meu suicídio com estas cartas
E nelas buscarei conforto por não ter me curvado
Ainda que o futuro me perverta o coração
Ou me seduza com seus irreality shows
Este guardanapo irá congelar esta emoção

O sol nasce no fim da Frei Caneca
As cadeiras estão viradas sobre as mesas
E eu com meu guardanapo-espelho fotografo
O movimento do mundo ensimesmado e blasée
Que não reconhece a importância de nada

Agora, no espaço final deste esboço,
Posso confessar meu único último desejo
Que desejei há menos de um minuto
Feliz... Porque talvez me tenham ouvido
Busco, em meu ofício desvairado, provocar.

(Poema constante no livro "A dieta da felicidade")

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